Pesquisa realizada pela
Acadêmica em Ciências Biológicas, Sarah
Webber
Com certeza chegará
o dia em que, como professores de Biologia, teremos que desfazer inúmeros
enganos e preconceitos que nossos alunos tem a respeito das serpentes. Ao longo
da história, esses répteis vem desempenhando diversos papéis simbólicos,
folclóricos e religiosos dentro das culturas de muitos países, que têm
atribuído à eles capacidades que nem sempre correspondem à realidade,
entrelaçando esses animais em inverdades e mitos. Cabe aos biólogos repor a
verdade sobre esses animais tão injustamente perseguidos, desmistificando os
exageros que o povo conta por aí.
O Brasil possui cerca de 361 espécies de serpentes, sendo que dessas,
somente 55 são peçonhentas (SBH, 2008). Apesar da sua fauna rica de ofídios, o conhecimento acerca desses
animais ainda é limitado, fragmentado e cheio de equívocos. Além da importância
ecológica da serpente não ser reconhecida pela maioria dos leigos, que não
notam que sua presença é imperativa para o sucesso das cadeias alimentares das
quais fazem parte, muitos também espalham, por falta de informação, inverdades
sobre esses animais. Diversos conhecimentos populares errados estão tão
difundidos que, longe de auxiliar o brasileiro quando este se depara com um dos
exemplares da nossa biodiversidade, são responsáveis por aumentar o medo desses
animais, causando uma matança desenfreada dos mesmos. Muitos conhecimentos
populares também indicam remédios caseiros, benzeduras e procedimentos
inadequados quando um acidente ofídico ocorre e, como poderemos notar, esses
procedimentos poderão piorar o estado do acidentado, levando o paciente a uma
piora do seu quadro clínico, e até mesmo à óbito.
Segundo dados do Ministério da
Saúde, ocorrem entre 19 mil a 22 mil acidentes ofídicos por ano no Brasil (RIBEIRO, 1995). Mesmo com esse número expressivo
de acidentes com serpentes, ainda não temos programas de divulgação de
informações sobre ofidismo em número suficiente para dar conta de educar a
população como um todo. Longe disso, continuamos, ano após ano, com números
elevados de acidentes ofídicos.
Como podem os brasileiros possuir uma fauna tão cheia de espécies de
serpentes, sem ter o mínimo conhecimento sobre estas e saber o que fazer em
caso de acidentes, ou como preveni-los?
Um
dos fatores que mais contribuem para a dispersão de informações erradas quanto
à serpentes e ofidismo está justamente na falta de informação de qualidade na
escola (e é aí que os biólogos que trabalham junto à educação entram).
Recentemente, Quirino (2009) realizou um estudo lendo diversas informações
sobre esse tema em livros didáticos para Ensino Fundamental e Médio. Obteve
como resultado uma quantidade decepcionante de informações erradas nesses
livros, o que explicaria, em parte, porque os brasileiros possuem diversas
noções equivocadas sobre serpentes da sua fauna nativa. Os livros didáticos trazem diversos erros, incluindo informações
focadas no antropocentrismo, e não na ecologia ou preservação. Como professores, chegará o dia em que
teremos alunos nos questionando se o que leram em um livro didático está
correto ou não.
Na
tabela presente nos textos de livros didáticos, os alunos são levados a
acreditar em um método de identificação de serpentes que não se aplica a nossa
realidade brasileira. Isso porque a
tabela foi criada com base em cobras da Europa e África, e não é de espantar
que tenha chegado até os nossos livros didáticos porque, afinal de contas,
fomos colonizados por portugueses, que são europeus (BORGES, 2001).
Em primeiro lugar, a tabela erra ao apontar que as serpentes peçonhentas
possuem cabeça que se destaca do corpo, quando existem serpentes peçonhentas
como as corais verdadeiras (gênero Micrurus)
que não possuem essa característica e também há boídeos (como a jibóia e a
sucuri) que não são peçonhentos e possuem a cabeça assim.
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Coral Verdadeira |
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Em
ordem: caudas de Bothrops, Crotalus e Lachesis.
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Cascavel
com seu chocalho característico
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Padrões de
coloração - Isso também não possui relação com a presença ou não de
aparelho inoculador, mas podem estar relacionados com dimosfismo sexual,
variabilidade genética (albinismo, xantinismo, melanismo), variação ontogenética
(quando o filhote apresenta coloração diferente do adulto da mesma espécie), entre outros fatores.
Serpentes
peçonhentas possuem olhos com pupilas verticais - A presença das pupilas
verticais em ofídios nada tem a ver com a presença de peçonha e aparelho
inoculador: as pupilas tendem a ser verticais em animais noturnos e
crepusculares, e mais arredondadas naqueles que são diurnos. De certa forma, é
oposto do que ocorre com os gatos. Exemplo de que a tabela está errada: A
cobra-papagaio (Corallus) possui pupilas
verticais e não é peçonhenta, ao passo que as corais verdadeiras (peçonhentas)
as possuem circulares.
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Cobra Papagaio |
BORGES, Roberto Cabral. Serpentes Peçonhentas Brasileiras: Manual de
identificação, prevenção e procedimentos em caso de acidentes. São Paulo:
Atheneu, 2001
CARDOSO, João Luiz da Costa et al. Animais Peçonhentos do
Brasil: Biologia, Clínica e Terapêutica dos Acidentes. 2ª São Paulo:
Sarvier, 2009
LEMA, Thales de. Os Répteis do Rio Grande do Sul: Atuais e Fósseis - Biogeografia -
Ofidismo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002
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